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Filmes & Séries

Filme na Netflix ajuda a entender a guerra entre Rússia e Ucrânia

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A conjuntura de guerra e incerteza em que a Ucrânia foi lançada em 24 de fevereiro de 2022 assemelha-se muito ao cenário de luta por dignidade em que o país vivia oito anos antes, mas apresenta diferenças evidentes. Em 2014, a participação popular foi massiva; em 2022, se assiste a uma Ucrânia acuada, certamente empobrecida e cheia de traumas, que não consegue responder à altura aos delírios totalitários de Vladímir Putin, o autocrata russo sem interrupções desde 2012 (antes disso, Putin já havia sido presidente por dois mandatos, de 2000 a 2008).

Como a história só se repete ou como tragédia ou como farsa — e nunca dá saltos —, além de registrar os eventos que levaram cidadãos de todo o país a exigir a inclusão da Ucrânia na União Europeia, “Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom” também se presta a uma espécie de introdução para que não se perca um só detalhe do que passou a ser a dura realidade ucraniana passada menos de uma década. Nesse particular, o documentário de Evgeny Afineevky tem deficiências do ponto de vista do desenrolar da narrativa histórica, mas o envolvimento do povo em questões que eram caras e que, em certa medida, nos trazem aos novos conflitos de 2022, são de uma contundência emocionante. É impossível que o espectador não se sinta primeiro constrangido, por testemunhar que a Ucrânia é submetida a um torvelinho mental que a aprisiona no passado imorredouro; triste, por ver com riqueza de detalhes os flashes que, juntos, apontam para a carnificina que se deu em cada uma das ofensivas; e, por fim, desesperançado, ao concluir que esse parece mesmo ser um caso perdido. Quiçá como a humanidade.

De origem russo-israelense e radicado em Los Angeles, Afineevsky só conseguiu atingir a excelência de “Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom” graças ao exército de cinegrafistas que embarcaram com ele nesse bombardeiro em chamas. O material é um verdadeiro documento para a posteridade ao ser capaz de retratar com precisão rara o início da insurreição contra o presidente ucraniano Viktor Yanukovych a partir da praça Maidan (ou praça da Independência) na capital Kiev. O movimento começou a tomar corpo em novembro de 2013 e se estendeu por 93 dias de um inverno rigoroso, até a madrugada de 20 de fevereiro de 2014. De maneira reducionista, o método de trabalho de Afineevky pode ser dividido em três etapas, a primeira se concentrando sobre os enfrentamentos entre a população e a Berkut, a polícia militar da Ucrânia — muito parecida com uma polícia política —, e a segunda primando por lançar mão de entrevistas com lideranças dos revoltosos e com os próprios rebeldes, realizadas após o armistício e dispostas ao longo do filme. O terceiro e último passo foi editar tudo o que gravara e dar àquele emaranhado de imagens e depoimentos preciosos tratamento minimamente comercial, até para fazer com que o público, mesmo o leigo — ou especialmente o leigo — se interessasse. Dessa tarefa se incumbiu Angus Wall, assíduo colaborador de David Fincher, que deixa a produção no capricho que se vê.

“Winter on Fire” é mesmo um recorte sobre a luta da Ucrânia por liberdade, quando o diretor opta por abrir o filme resgatando os acontecimentos que conduzem o país ao descontrole que se anuncia. A hesitação de Yanukovych, um autocrata nos moldes de Putin, truculento e corrupto, em terminar a costura de um acordo econômico com a União Européia — o que selaria de vez a intenção e a nova natureza da Ucrânia, declarada independente de Moscou em 8 de dezembro de 1991 — acende a ira dos ucranianos partidários do euro, mais que uma moeda comum, um novo estilo de vida. Ao se certificarem de que o presidente não cumpriria a promessa, cerca de dois mil manifestantes, previamente organizados por intermédio das redes sociais, partiram rumo à Maidan, na esperança de que Yanukovych recapitulasse, atendendo aos anseios de quase 44 milhões de ucranianos, ou deixasse o governo. Como se sabe, o déspota da Ucrânia se refugiou na Rússia do não menos sanguinário Putin, mas só ao cabo de três longos meses. Enquanto isso, a partir do décimo dia, o governo se volta contra seu próprio povo, em operações que causam espécie pela violência. A Berkut não se intimida e não se peja de trucidar idosos, mulheres e até as crianças que acompanhavam os pais e o saldo final da barbárie é um contingente de 125 mortos apenas durante o cerco à Maidan, 1.890 feridos e 65 desaparecidos. Do outro lado, os protestos pró-Rússia cresceram na Ucrânia Oriental — principalmente depois da anexação da Crimeia por Putin — e até a primavera de 2015 a guerrilha separatista já somava seis mil mortos.

Uma vez que as pessoas sentem o gosto da liberdade, tolerar o arbítrio não é mais uma opção. Juntando o caráter altamente sentimental do que é visto ao roteiro jornalisticamente informativo de Den Tolmor, “Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom” chega mais perto da grande audiência, um feito de que o igualmente rico “Maidan: Protestos na Ucrânia” (2014), de Sergei Loznitsa, não é capaz. Passando ao largo da influência de potências estrangeiras no que se desenrolava na Maidan, bem como de como reagia o Parlamento ucraniano quando da tomada das ruas de Kiev, Evgeny Afineevky ressalta as tantas arestas ainda por aparar na história recente da Europa Oriental, com uma Ucrânia cindida desde 2014, sem se decidir entre cair nos braços da ditadura de Vladímir Putin ou voltar-se para a democracia no restante do continente. Um cenário ainda mais nebuloso com a nova guerra contra a Ucrânia iniciada por Putin em 2022.


Documentário: Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom
Direção: Evgeny Afineevky
Ano: 2015
Gênero: Documentário/Guerra
Nota: 9/10

Fonte: Revista Bula

Cassio Felipe

Professor, Escritor e Jornalista Especialista em Relações Internacionais e Diplomacia

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