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Datas Especiais

20 de novembro: um diálogo necessário

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Em 20 de novembro é celebrado o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, data instituída oficialmente pela Lei Federal nº 12.519 de 10 de novembro de 2011. No Estado do Rio Grande do Sul, o governo estadual assinou decreto que institui, no âmbito estadual, 2021, como o Ano do Cinquentenário do 20 de Novembro, o Dia da Consciência Negra.

A data é uma referência à morte de Zumbi, o então líder do Quilombo dos Palmares, situado entre os estados de Alagoas e Pernambuco, na Região Nordeste do Brasil. Zumbi foi morto em 20 de novembro de 1695, por bandeirantes liderados por Domingos Jorge Velho. Zumbi dos Palmares tornou-se símbolo de resistência à escravidão e a opressão no Brasil.

A data foi criada por ativistas negros que integravam o Grupo Palmares, em Porto Alegre, para contrapor as celebrações do 13 de maio, em 1971. Posteriormente, o Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial, em um congresso realizado em São Paulo, no ano de 1978, elegeu a figura de Zumbi como símbolo da luta e da resistência dos negros escravizados no Brasil, e como símbolo da luta por direitos e contra a opressão racial dos afro-brasileiros.

Sobre a importância da data de 20 de novembro para o Movimento Negro, se faz necessário compreendê-la como marco inaugural de uma nova consciência sobre a questão racial no Brasil.

Segundo Rodrigo Alves Pereira, músico e professor, “a data de 20 de novembro é importante para a História do Brasil, por provocar a reflexão crítica ao processo da abolição da escravatura, no final do segundo império brasileiro. O movimento negro foi muito feliz em celebrar Zumbi nesta data, figura histórica que representou o “movimento” em direção aos direitos naturais e embrião na construção cidadã dos negros. Apesar da família imperial simpatizar com o abolicionismo, o ato de 13/05/1888, se deu como um epílogo do seu governo, mostrando-se além de tardio, tímido no que diz respeito a um projeto de inclusão desse grupo humano a sociedade brasileira”.

Para Monique Maína Milkiewicz Rosset, psicóloga e presidente do Movimento Étnico Cultural dos Negros de Erechim – MENE, o 20 de novembro “é símbolo de resistência, com o intuito de comemorar o valor da comunidade negra e sua fundamental contribuição para a formação histórica, social e cultural desse país. Nessa data se reflete as questões Raciais no Brasil, se enaltece as identidades e trajetórias da população preta e parda que hoje é mais de 56% no Brasil, estando atrás somente do continente africano. Infelizmente, ainda vivenciamos todos os dias os reflexos e as marcas deixadas pela escravidão”.

E o Treze de Maio?

O Treze de Maio de 1888, data em que a abolição da escravatura aconteceu, sendo assinada a Lei Áurea, foi perdendo sentido ao largo do tempo, pois foi um ato meramente formal e não um ato de ruptura com os velhos padrões sociais. O argumento utilizado é que o Treze de Maio representa uma “falsa liberdade”, uma vez que, após a Lei Áurea, os negros foram entregues à própria sorte e ficaram sem nenhum tipo de assistência do poder público.

Na percepção de André Ribeiro, historiador e mestre em Educação, o Treze de Maio não foi um ato de “bondade”, mas o fruto das “pressões” pela abolição. “Esta mudança se deu pela pressão e pela organização dos movimentos negros do Brasil que ressignificou a história da abolição. Na história oficial, e conforme minha geração de crianças e adolescentes aprendeu, foi praticamente por um ato de bondade da Princesa Isabel de Bragança que a escravidão foi abolida, e então, os negros deviam gratidão a uma personagem do império, branca e herdeira de todas as benesses financeiras que a escravidão institucionalizada lhe agraciou. Hoje sabemos por diversas fontes históricas, e nem é mais objeto de contradições, que a escravidão acabou por pressões do mercado externo, pelo desejo de uma classe liberal em industrializar e modernizar o Brasil, pela entrada dos imigrantes europeus no Brasil, a partir do século XIX, e é claro pela pressão de abolicionistas brancos e dos próprios negros que resistiam através de fugas em massa, rebeliões, organização de quilombos e no limite até o suicídio como alternativa à escravidão”, pontua André.

Andre Fabricio Ribeiro 2020
André Fabrício Ribeiro, historiador e mestre em Educação (UFFS). Palestrante e atuante intelectual na preservação da cultura, história e memória do povo afro-brasileiro em Erechim e região Alto Uruguai. Em 2021 foi agraciado com o prêmio Trajetórias Culturais Mestra Griô Sirley Amaro pela Sedac RS. (foto: Arquivo pessoal)

Para Monique, é preciso entender que a abolição foi um processo político “bem conflituoso”. Muito além de uma assinatura. Foram anos de luta e resistência de pessoas e lideranças negras, fundamentais na luta abolicionista. “O dia 13 não tem tanta comemoração como o dia 20 de novembro, porque é visto que a Lei Áurea foi insuficiente, não houve um projeto para a abolição, assim como houve um projeto para a imigração por exemplo. Não houve inclusão, integração social, econômica ou cultural. Não se deu oportunidades ou subsídios nenhum a uma população que por lei não poderia estudar, nem adquirir terras…”, explica.

Monique instiga a questionar os reais efeitos da abolição de 1888. “Houve a libertação, mas houve de fato liberdade e condições de usufruir a liberdade? Houve dignidade? Assim ao longo dos anos estruturou-se o racismo como parte da própria estrutura da sociedade”, sublinha.

Monique enfatiza, ainda, que “os movimentos sociais através desse questionamento, do mito da democracia racial, encontra no dia 20 mais sentido a resistência negra. Para trazer à tona as lutas invisibilizadas pela harmoniosa assinatura”.

“A historiografia contemporânea soube muito bem dimensionar o peso político do ato, ao olharmos para o 13 de Maio (Lei Áurea), percebe-se que assim como as demais leis e ações que o governo imperial tomou, se buscava mais um efeito paliativo frente à comunidade internacional, na indigesta posição do Brasil, como única nação escravista as portas do século XX, destacando forte pressão inglesa pela abolição”, frisa o professor Rodrigo.

O Simbolismo de Zumbi

As diversas nações africanas não se reconheciam como negros, e sim como Bantos, Haúças, Niams, Fulas, Kanembus, etc. Os primeiros africanos trazidos para o Brasil como escravos chegaram aqui em 1532. A abolição do tráfico negreiro deu-se em 1850, pela Lei Eusébio de Queiroz. Após a abolição formal da escravidão no dia 13 de maio de 1888, a busca da “liberdade” e da “igualdade” pelos direitos dos negros jamais cessou.

O sentimento de discriminação sentido por todos os lados tornou o negro excluído da sociedade, da educação e marginalizado no mercado de trabalho. Essa exclusão foi aos poucos se diluindo. O negro encontrava lugar nos esportes e nas artes, mas não tinha acesso à universidade, por exemplo. Deste modo, a população negra optou por uma celebração simbólica dessa luta constante para sua libertação.

A figura de Zumbi dos Palmares é símbolo das conquistas históricas do povo negro no Brasil, tanto que a lei que instituiu o Dia Nacional da Consciência Negra foi também fruto dessa reivindicação.

O nome de Zumbi, inclusive, é sugerido nas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana como personalidade a ser abordada nas aulas de ensino básico como exemplo da luta dos negros no Brasil, conforme determinação da Lei Federal nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003.

“Zumbi é um símbolo da luta contra a escravidão, um líder negro e revoltoso que foi liderança no maior quilombo do Brasil. Deste modo, temos um negro como protagonista de nossa luta e história”, declara André. “Digamos que Zumbi e outros lideres como Dandara dos Palmares, líder e esposa de Zumbi, e Ganga Zumba, que foi o primeiro líder de Palmares, são símbolos de uma luta que existe desde a escravidão, até o enfrentamento ao racismo de hoje. Com eles aprendemos a ter orgulho de nossas origens e coragem para enfrentar um sistema opressor”, complementa o historiador.

Para o professor Rodrigo, a figura de Zumbi não se limita a uma pessoa específica mas um ideal de resistência e luta pela liberdade: “Acredito que hoje, mais do que nunca, a versão histórica que defende que Zumbi não foi um, mas sim vários, ou seja, não um nome próprio, mas sim, uma denominação para mais de uma liderança, em diversos momentos do Quilombo de Palmares, carrega em si os mais fortes significados para a população negra, todos podem ser Zumbi, e manter o movimento contínuo de suas aspirações e ideais”.

Rodrigo Alves Pereira
Rodrigo Alves Pereira, é erexinense, graduado em História (URI/Erechim) e mestre em Ciências Humanas Interdisciplinares (UFFS/Erechim). Professor do Colégio Franciscano São José de Erechim e da Escola Municipal de Belas Artes Osvaldo Engel. Músico e membro do MENE e da AEL – Academia Erechinense de Letras.
(foto: Arquivo pessoal)

A Consciência Negra

Para além de Zumbi, o Quilombo dos Palmares e o Treze de Maio, o Dia da Consciência Negra é uma data de importantes significados, pois destaca questões que ainda merecem debate: o racismo e a desigualdade da sociedade brasileira.

O 20 de novembro relembra (e não deixa-nos esquecer) a luta dos africanos escravizados no passado, reforçando a importância da realização de novas lutas por uma sociedade mais justa. Uma luta não só dos negros e das negras, mas de todos que almejam um país que promova a igualdade e a dignidade como princípios fundamentais de fato – e não apenas no papel.

O Dia da Consciência Negra é importante para relembramos que a nossa sociedade foi construída por meio da escravidão. Melhorias e mudanças vêm acontecendo, contudo ainda se faz necessário promover ajustes sociais para a população menos abastada.

O racismo persiste nos detalhes do cotidiano e tentativas de apagamento da cultura africana, ou sua desvalorização,  evidenciam a longa trajetória a ser trilhada.

A discriminação, consciente ou inconsciente, surge do legado dos mais de 300 anos de escravidão no Brasil. Um exemplo é o preconceito existente com a cultura religiosa oriunda dos ancestrais africanos. Na década de 1930, as chamadas religiões de matriz africana eram proibidas no Brasil. Atualmente, apesar da constitucionalidade da liberdade religiosa, as religiões de matriz africana ainda são alvos de uma segregação velada.

“É fundamental que se faça o debate racial no ambiente escolar, no trabalho, nas rodas de conversa. O racismo é uma pauta de todos, brancos e negros. É através do reconhecimento dos privilégios, do reconhecimento da existência do racismo e suas consequências que a mudança será possível. A luta antirracista é diária. A Consciência Negra é a percepção que temos de si”, manifesta Monique.

“E para que essas construções, que não são só subjetivas, mas também sociais, tornem-se positivas, é necessário tornar consciente a discriminação, o reconhecimento do racismo como gerador de desigualdade, o reconhecimento do povo preto e sua contribuição para a sociedade, a cultura e a economia, saindo da lógica colonial somente da escravidão. Há muito o que se fazer, melhorar e lutar “ainda” nos dias de hoje”, salienta a psicóloga.

Monique ressalta que a grande mudança desejada pela população negra, e não apenas, não depende apenas de atos governamentais, mas também de uma nova postura frente aos desafios impostos. “Políticas públicas  afirmativas e reparadoras são necessárias. Mas o principal é a mudança de mentalidade. Essa é uma construção feita com muita educação, reflexão e mudança de atitudes. Cabe a nós enquanto seres humanos, fazermos as mudanças necessárias para que nossos filhos encontrem uma sociedade onde haja equidade, igualdade e respeito as diversidades”, conclui.

Monique
Monique Maína Milkiewicz Rosset, psicóloga e neuropsicopedagoga. Fundadora e presidente do Movimento Étnico Cultural dos Negros de Erechim – MENE. Presidente do MDB Diversidade e Inclusão de Erechim. Colaboradora da Comissão de Relações Étnico Raciais do CRP-RS. (foto: Arquivo pessoal).

É disto do que se trata o Dia da Consciência Negra: Dar voz aos que por muito tempo eram obrigados a permanecer no silêncio. É abraçar a alteridade e manter mãos dadas com a empatia. Reconhecer os singulares como parte do todo. E compreender que as mudanças almejadas dependem da luta coletiva e também da determinação de cada indivíduo.

Referências

LEI Nº 3.353, DE 13 DE MAIO DE 1888. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim3353.htm

LEI Nº 12.519, DE 10 DE NOVEMBRO DE 2011. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12519.htm

LEI No 10.639, DE 9 DE JANEIRO DE 2003. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm

LEI Nº 581, DE 4 DE SETEMBRO DE 1850. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim581.htm

FERNANDES, Cláudio. “20 de novembro – Dia da Consciência Negra”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/datas-comemorativas/dia-nacional-da-consciencia-negra.htm. Acesso em 17 de novembro de 2021.

R. Santos

Redator.

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