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Mundo

Venezuela: A nem sempre compreendida jornada humana pela sobrevivência

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Você tem uma vida confortável, um trabalho, uma família, amigos, está acostumado a viver em sua cidade e, quando viaja ou está fora de casa, sente saudade do lar e para lá quer voltar, pois você sente que àquele lugar pertence. Você quer sentir os sabores e aromas que por ali circulam, conversar com as pessoas de que gosta ou simplesmente ficar em casa, no seu canto, curtindo o seu lar doce lar. Agora me responda: como você se sentiu ao ler as quatro primeiras linhas deste texto? Certamente se sentiu confortável, protegido, amado e sortudo, não? Então, faço-lhe outra pergunta: você acredita que uma pessoa que abandona o seu país para encontrar melhores condições de vida em outro, faz isso simplesmente por quere-lo? Não, geralmente não. Muitas dessas pessoas certamente estão passando por necessidades básicas extremas como falta de alimento, trabalho, perspectivas de vida, ou muito pior que isso, são obrigadas a fugir de perseguições religiosas, políticas ou de violências. Outra pergunta: então por qual razão, nós, muitas vezes os recebemos, carregados de preconceitos, acreditando que eles irão roubar nosso trabalho ou que para cá virão para cometer crimes ou prejudicar a nossa sociedade em geral?

Conheçamos mais, julguemos menos

Jonathan Millan (foto abaixo), marmorista de profissão, pai de 6 filhos, conta que, especialmente para quem tem muitos filhos, é muito difícil sobreviver na Venezuela, sendo essa uma das principais razões para abandonar o país, deixando para trás a sua vida, inclusive casa e carro, os quais venderam para custear a viagem ao Brasil. “Não tem como criar filhos em um país onde não há comida, trabalho, educação”, afirma ele. Foi uma longa jornada desde El Tigre, cidade com pouco mais de 200 mil habitantes, a 458 quilômetros ao sul de Caracas, capital da Venezuela e, 820 quilômetros ao norte de Pacaraima, cidade brasileira que fica em Roraima e por onde a maioria dos Venezuelanos chega ao Brasil. De forma rápida, eles decidiram deixar o país, conta Jonathan, irmão de Yandris Mijares, esposo de Milagros (ambos adultos sentados no sofá, na foto principal). Eles viajaram de ônibus por pelo menos 10 horas até chegarem à fronteira com o Brasil e encontraram longas filas de venezuelanos à espera de documentação em Boa Vista, capital do estado. Lá, perceberam que não poderiam ter uma vida próspera, pois não havia trabalho, considerando o grande número de imigrantes que já circulavam pela cidade.

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Jonathan contando a sua história. Foto: Juliano San

Conduzidos pelo destino, eles vieram parar em Erechim, para muitos, numa longínqua esquina, do longínquo Bairro Progresso, onde Jonathan vive com sua família e mais a família de Yandris, totalizando 16 membros em uma casa simples, inacabada e com apenas dois quartos. Eles todos vieram da Venezuela e no dia de nossa visita, contaram-nos que mais uma família estava prestes a chegar e que, a princípio viveria na mesma casa também. Porém, um dilema os afrontava: o dono do imóvel fez com que eles assinassem um contrato de 12 meses de aluguel, porém, ele não aceita que as duas famílias vivam na mesma residência, muitos menos a terceira que está para chegar. Desse modo, com apenas quatro meses de aluguel cumpridos, eles tentam resolver a situação. Ao chegarmos à casa deles, esperava-nos Milagros, de 33 anos de idade que tem 6 filhos. Nos braços, ela embalava Joiber, recém-nascido, já em Terras Tupiniquins, com dois meses de vida. Logo mais, outros filhos chegaram atraídos pela movimentação, mas alguns deles logo se dispersaram. Outros estavam, supostamente, dormindo, considerando que chegamos logo após as 10 horas da manhã e não apareceram para participar.

Quando chegaram a Erechim, estavam basicamente sem nada, conta Jonathan, com um sorriso tímido, envergonhado, aparentemente temendo ser julgado por mim, um estranho que aparecera em sua casa para investigar sobre sua vida. Tínhamos apenas a roupa do corpo. Juliano San, Diretor de Cultura do município de Erechim, que nos levou até a família, corrobora a aflitiva situação em que eles se encontravam um dia, ao vir à casa deles, encontrei eles cozinhando nos fundos com apenas uma panela e para mexer os alimentos, utilizavam um pedaço de pau. As famílias nem tinham qualquer tipo de louça, sejam pratos, copos, garfos ou facas; simplesmente comiam com as próprias mãos. Ao perceber a situação, fui comprar algumas louças e talheres para eles com meu próprio dinheiro. Jonathan também conta que há outros familiares em diferentes partes do Brasil e quando perguntado sobre a razão de não terem ido à Colômbia, principalmente devido à proximidade linguística, ele olha para o lado e sorri dizendo que (Colômbia) está semelhante à Venezuela em questão de pobreza e já há conterrâneos demais vivendo lá.

Eu, um jovem foca (jornalista novato) fora de minha bolha

Estando lá, tive que me despir dos meus preconceitos em relação ao Bairro Progresso, tão estigmatizado pela cidade de Erechim, e encarar o fato de que eu estava em um lugar tão desconhecido e conhecido, ao mesmo tempo. Em algumas ruas casas bonitas me chamaram a atenção a ponto de eu comentar com o Juliano, em outras, o contrário me chamou a atenção. Quanto mais nos aproximávamos da residência onde as famílias vivem, mas estreitas as ruas ficavam, mais pessoas circulavam por elas, especialmente aquelas mais movimentadas e os meus olhos atentos e curiosos, estavam ansiosos por prever a residência à qual eu me dirigia, sem ter a mínima ideia de qual exatamente era. Logo mais, chegamos à casa, que fica em uma esquina, terreno aberto. Aparentemente muito simples, com paredes sem reboco, sem portas internas, a privacidade era mantida por cortinas. Logo, parte da família se reuniu para me receber. Ali pude observar que as dificuldades eram inimagináveis para a minha mente e apenas olhando, eu podia acreditar que eles tinham passado dias gelados de inverno naquela casa sem aquecimento nenhum e com aquelas partes próximas ao teto, abertas, sem proteção alguma contra qualquer vento ou até mesmo chuva.

Eu, de certa forma, me sentia um pouco culpado por aquela situação, pois a vida se mostrava muito fácil na minha bolha, pois naquele dia eu estava vestido com sapatos de 250,00, camisa de 200,00, calça de 150,00 e um aparelho celular de 3.700,00. Isso eram 4.300,00, quase os 5 mil reais mensais juntando as rendas dos dois chefes de família que lá viviam e que sustentavam duas famílias totalizando 16 membros. Muitos aqui questionariam a razão de eles terem famílias tão grandes se mal conseguem sustenta-las, e eu não os julgo, pois muitas vezes eu me questionava da mesma forma durante a minha vida ao me deparar com famílias tão grandes. Isso ensina que, na maioria dos casos, o que falta a essas pessoas, é informação, pois elas são aquelas às quais o poder público dificilmente chega oferecendo-lhes saúde, trabalho e educação. Entendam que ao escrever essa análise, não estou afirmando que as famílias pobres estejam erradas por terem muitos filhos, apenas comento que muitas delas, se tivessem informação, optariam por ter menos filhos buscando uma vida mais fácil. Milagros disse que a maior dificuldade era a alimentação das famílias afirmando que eles conseguem se alimentar regularmente, mas não o suficiente e que o bebê nem fralda descartável possuía, mas sim fraldas de pano.

O que se percebia ali, em meio a tantos olhares cruzados, desconfiados e tímidos, eram pessoas como nós que estão lutando para ter a possibilidade de uma vida descente, mesmo que para isso, tenham que construí-la a milhares de quilômetros de sua terra e longe de muitas pessoas queridas que, por diversas razões, não puderam acompanha-los. O que cabe a nós, como brasileiros, hospitaleiros como somos é acolhê-los e fazê-los com que se sintam bem-vindos e que podem contar conosco como pessoas e comunidade.

Texto e entrevista: Cássio Felipe Tartas Rogalski

Cassio Felipe

Professor, Escritor e Jornalista Especialista em Relações Internacionais e Diplomacia

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