Terms & Conditions

We have Recently updated our Terms and Conditions. Please read and accept the terms and conditions in order to access the site

Current Version: 1

Privacy Policy

We have Recently updated our Privacy Policy. Please read and accept the Privacy Policy in order to access the site

Current Version: 1

Mundo

Carta aos ucranianos e ao mundo por Vladimir Vladimirovich Putin

0:00

Em um artigo publicado em julho de 2021, intitulado “On the historical Unity of Russians and Ukrainians” com tradução livre “Sobre a unidade histórica de russos e ucranianos”, ao longo de 18 páginas, o líder russo usa o ensaio para reiterar sua convicção frequentemente expressada de que russos e ucranianos são “um só povo”, enquanto culpa o atual colapso dos laços bilaterais em conspirações estrangeiras e conspirações anti-russas. O texto foi publicado no site oficial do presidente kremlin.ru em russo e ucraniano.

Ao afirmar que os russos e ucranianos são um só povo, Putin justifica-se explicando que essas palavras não foram motivadas por algumas considerações de curto prazo ou motivadas pelo contexto político atual. É o que eu disse em várias ocasiões e no que acredito firmemente. Ele acrescenta e salienta que o muro que surgiu nos últimos anos entre a Rússia e a Ucrânia, entre as partes do que é essencialmente o mesmo espaço histórico e espiritual, a meu ver é o nosso grande infortúnio e tragédia comum.

Ele admite erros “russos” ao longo da história, mas também culpa forças externas dizendo que “sempre procuraram minar nossa unidade” e de semear a discórdia objetivando “dividir os povos e colocar um contra o outro”. Ele cita que russos, ucranianos e bielorrussos são todos descendentes da antiga Rus, que era o maior estado da Europa, unidos por uma língua, economia, o governo dos príncipes da dinastia Rurik e – após o batismo de Rus – a fé ortodoxa.

773814204 mapa ucrania russia
Rússia e Ucrânia são os dois maiores países da Europa, mas a Ucrânia é o maior pelo fato de possuir todo o seu território dentro do continente europeu

The Tale of Bygone Years ou o Conto dos Anos Passados, crônica eslava oriental antiga (letopis) da Rus de Kiev, originalmente compilada em Kiev por volta de 1113 proveu uma frase interessante ao Putin, a qual diz “Let it be the mother of all Russian cities”, em português “Que seja a mãe de todas as cidades russas”, referindo-se à Quieve ou Kiev, como normalmente conhecemos, a atual capital da Ucrânia. Este artifício é utilizado para reforçar que ele considera a Ucrânia parte da Rússia.

Na sequência, Putin cita o declínio da Antiga Rus, mas reforça que, neste meio tempo, tanto a nobreza quanto as pessoas comuns percebiam Rus como um território comum, como sua pátria. Ele reforça a unidade da língua e a fé ortodoxa “mais importante ainda, as pessoas nas terras russas ocidentais e orientais falavam a mesma língua. Sua fé era ortodoxa. Até meados do século XV, o governo unificado da igreja permaneceu em vigor.”

Putin descreve fatos históricos seguindo o declínio da Antiga Rus e também fala da reunificação de povos e terras e cita que o resultado final foi selado pelo Tratado de Paz Perpétua em 1686. O Estado russo incorporou a cidade de Kiev e as terras da margem esquerda do rio Dnieper, incluindo a região de Poltava, região de Chernigov e Zaporozhye. Seus habitantes se reuniram com a maior parte do povo ortodoxo russo. Esses territórios eram chamados de “Malorossia” (Pequena Rússia). O nome “Ucrânia” foi usado com mais frequência no significado da palavra russa antiga “okraina” (periferia), encontrada em fontes escritas do século XII, referindo-se a vários territórios fronteiriços. E a palavra “ucraniano”, a julgar pelos documentos de arquivo, originalmente se referia aos guardas de fronteira que protegiam as fronteiras externas.

Uma vez mais, Putin enfatiza as semelhanças entre os povos “a incorporação das terras da Rússia ocidental em um único estado não foi meramente o resultado de decisões políticas e diplomáticas. Ela foi sustentada pela fé comum, pelas tradições culturais compartilhadas e – gostaria de enfatizar mais uma vez – pela semelhança linguística. ” Contudo, ele cita as mudanças linguísticas muitos séculos de fragmentação e vivendo em diferentes estados naturalmente trouxe peculiaridades linguísticas regionais, resultando no surgimento de dialetos. O vernáculo enriqueceu a linguagem literária.

Como essa herança pode ser dividida entre a Rússia e a Ucrânia? E por que fazê-lo? Putin faz tais questionamentos ao explicar que Ivan Kotlyarevsky, Grigory Skovoroda e Taras Shevchenko desempenharam um grande papel. As suas obras são o nosso património literário e cultural comum. Taras Shevchenko escreveu poesia na língua ucraniana e prosa principalmente em russo. Os livros de Nikolay Gogol, um patriota russo e nativo de Poltavshchyna, são escritos em russo, repletos de ditos e motivos folclóricos malorrussos.

Nestes tempos, Putin acusa a elite polonesa e a intelectualidade malorrussa de confabular a ideia de um povo ucraniano separado da Rússia citando conspirações de que os ucranianos são os verdadeiros eslavos e os russos não. “Tais “hipóteses” passaram a ser cada vez mais utilizadas para fins políticos como ferramenta de rivalidade entre os estados europeus, ” afirma Putin.

A história mais recente: Século XX

toy gb2ed4c709 1920
Créditos: Pixabay

Após a Revolução de Fevereiro, em março de 1917, a Rada Central, parlamento ucraniano, foi estabelecido em Kiev, destinado a se tornar o órgão do poder supremo. Em novembro de 1917, em sua Terceira Universal, declarou a criação da República Popular da Ucrânia (UPR) como parte da Rússia. Em dezembro de 1917, representantes da UPR chegaram a Brest-Litovsk, onde a Rússia soviética negociava com a Alemanha e seus aliados. Em uma reunião em 10 de janeiro de 1918, o chefe da delegação ucraniana leu uma nota proclamando a independência da Ucrânia. Posteriormente, a Rada Central proclamou a Ucrânia independente em sua Quarta Universal.

A soberania declarada não durou muito. Apenas algumas semanas depois, os delegados da Rada assinaram um tratado separado com os países do bloco alemão. Em novembro de 1918 – após os eventos revolucionários na Alemanha e Áustria-Hungria – Pavlo Skoropadskyi, que havia perdido o apoio das baionetas alemãs, tomou um rumo diferente, declarando que “a Ucrânia deve assumir a liderança na formação de uma Federação de Toda a Rússia “. No entanto, o regime foi logo alterado novamente. Era agora a vez da chamada Direcção.

No outono de 1918, os nacionalistas ucranianos proclamaram a República Popular da Ucrânia Ocidental (WUPR) e, em janeiro de 1919, anunciaram sua unificação com a República Popular da Ucrânia. Em julho de 1919, as forças ucranianas foram esmagadas pelas tropas polonesas, e o território da antiga WUPR ficou sob o domínio polonês.

Em abril de 1920, Symon Petliura (retratado como um dos “heróis” da Ucrânia de hoje) concluiu convenções secretas em nome da Diretoria da UPR, desistindo – em troca de apoio militar – das terras da Galícia e da Volínia Ocidental para a Polônia. Em maio de 1920, Petliurites entraram em Kiev em um comboio de unidades militares polonesas. Mas não por muito. Já em novembro de 1920, após uma trégua entre a Polônia e a Rússia Soviética, os remanescentes das forças de Petliura se renderam a esses mesmos poloneses.

O exemplo da UPR mostra que diferentes tipos de formações quase-estatais que surgiram no antigo Império Russo na época da Guerra Civil e da turbulência eram inerentemente instáveis. Os nacionalistas procuravam criar seus próprios estados independentes, enquanto os líderes do movimento Branco defendiam a Rússia indivisível.

Putin acusa Mikhail Grushevskiy, ex-presidente da Central Rada, um dos ideólogos do nacionalismo ucraniano de praticar a “ucranização”.  Tal política era frequentemente imposta àqueles que não se viam como ucranianos. Essa política nacional soviética garantiu no nível estadual a provisão de três povos eslavos separados: russo, ucraniano e bielorrusso, em vez da grande nação russa, um povo trino composto por velikorussos, malorrussos e bielorrussos.

A Crimeia, anexada, por Putin, à Rússia, em 2014 também é referenciada no artigo em 1954, a região da Crimeia da RSFSR foi entregue à SSR ucraniana, em grave violação das normas legais que estavam em vigor na época. Ele continua afirmando que a moderna Ucrânia é fruto da Era Soviética, portanto, a Ucrânia moderna é inteiramente o produto da era soviética. Sabemos e lembramos bem que foi moldado – em grande parte – nas terras da Rússia histórica. Para ter certeza disso, basta olhar para os limites das terras reunidas com o estado russo no século XVII e o território da RSS ucraniana quando saiu da União Soviética.

A história recente: última década

vitolda klein 7ZJBBxY0UgQ unsplash
Kremlin, sede do governo russo/Créditos: Pixabay

Com respeito, é o que afirma Putin ao descrever que povos que se veem como uma nação separada, devem ser tratados. As coisas mudam: países e comunidades não são exceção. É claro que alguma parte de um povo em processo de desenvolvimento, influenciado por uma série de razões e circunstâncias históricas, pode tomar consciência de si mesmo como uma nação separada em determinado momento. Como devemos tratar isso? Só há uma resposta: com respeito!

O presidente russo afirma que a nação russa reconhece a nova realidade geopolítica, pontuando que contribuiu muito para estabelecer a Ucrânia como um Estado independente. Ele diz que a parceria entre Ucrânia e Rússia é algo a ser observado pela União Europeia. Somos parceiros econômicos complementares naturais. Uma relação tão próxima pode fortalecer as vantagens competitivas, aumentando o potencial de ambos os países.

Putin aponta as grandezas econômicas ucranianas e culpa as autoridades do país dizendo que elas desperdiçaram as conquistas de muitas gerações. Ao mesmo, ele enfatiza o quão trabalhadores e talentosos os ucranianos são. Eles podem alcançar sucesso e excelentes resultados com perseverança e determinação. E essas qualidades, assim como sua abertura, otimismo inato e hospitalidade, não desapareceram. Os sentimentos de milhões de pessoas que tratam a Rússia não apenas bem, mas com muito carinho, assim como nós sentimos pela Ucrânia, permanecem os mesmos.

Até 2014, centenas de acordos e projetos conjuntos visavam desenvolver nossas economias, laços comerciais e culturais, fortalecer a segurança e resolver problemas sociais e ambientais comuns, afirma Putin.Mesmo após estes eventos, ele diz que a Rússia continuou preservando e mantendo os laços com a Ucrânia, mas não obtinha o mesmo das autoridades ucranianas. Então, isso é atitude de um estado agressor, afirma ele.

Em essência, os círculos dominantes da Ucrânia decidiram justificar a independência de seu país através da negação de seu passado, no entanto, exceto por questões de fronteira. Radicais e neonazistas eram abertos e cada vez mais insolentes sobre suas ambições. Eles foram favorecidos tanto pelas autoridades oficiais e oligarcas locais, que roubavam o povo da Ucrânia e guardavam seu dinheiro roubado em bancos ocidentais, prontos para vender sua pátria para preservar seu capital. A isso deve-se acrescentar a persistente debilidade das instituições estatais e a posição de refém voluntário da vontade geopolítica de outrem.

Putin acusa os Estados Unidos e a União Europeia de sistematicamente e consistentemente pressionar a Ucrânia a reduzir e limitar a cooperação econômica com a Rússia e diz que o Ocidente rejeitou repetidos chamados por diálogo do lado russo. Passo a passo, a Ucrânia foi arrastada para um perigoso jogo geopolítico destinado a transforma-la em uma barreira entre a Europa e a Rússia, um trampolim contra a Rússia.

moscow cathedral mosque ge76db8b1d 1920
Moscou, capital da Rússia/Créditos: Pixabay

Inevitavelmente, chegou um momento em que o conceito de “Ucrânia não é Rússia” não era mais uma opção. Havia a necessidade do conceito “anti-Rússia”, o qual nunca aceitaremos. Putin acusa os países do Ocidente de interferir nos assuntos internos da Ucrânia e apoiar o que ele chama de “golpe” incitando a “russofobia”.

Uma vez mais ele cita a língua todas as coisas que nos unem e nos uniam até agora foram atacadas. Em primeiro lugar, a língua russa. Ele parece muito ressentido quanto a este fato “Deixe-me lembrá-lo de que as novas autoridades do “Maidan”, primeiro tentaram revogar a lei sobre a política linguística do estado. Depois, havia a lei da “purificação do poder”, a lei da educação que praticamente excluía a língua russa do processo educacional. ”

Por fim, já em maio deste ano (2021), o atual presidente – Volodymyr Zelenskyy – apresentou à Rada – Parlamento Ucraniano –  um projeto de lei sobre “povos indígenas”. Somente aqueles que constituem uma minoria étnica e não têm sua própria entidade estatal fora da Ucrânia são reconhecidos como indígenas. A lei foi aprovada. Novas sementes de discórdia foram semeadas.

Putin afirma que a Ucrânia passa por um momento que envolve uma mudança forçada de identidade e os russos que vivem no país são forçados a negar suas raízes e a acreditar que a Rússia é inimiga. Ele compara estes fatos a armas de destruição em massa contra a Rússia. Nossa unidade espiritual tem sido atacada. As autoridades seculares, sem esconder seus objetivos políticos, interferiram descaradamente na vida da igreja e levaram as coisas à divisão, à tomada de igrejas, ao espancamento de padres e monges.

O projeto anti-Rússia foi rejeitado por milhões de ucranianos. O povo da Crimeia e os moradores de Sebastopol fizeram sua escolha histórica. E as pessoas no Sudeste tentaram pacificamente defender sua posição. E os moradores de Donetsk e Luhansk pegaram em armas para defender sua casa, sua língua e suas vidas.

O golpe de Estado e as ações subsequentes das autoridades de Kiev provocaram inevitavelmente confrontos e guerra civil. O Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos estima que o número total de vítimas no conflito em Donbass ultrapassou 13.000. Entre eles estão os idosos e as crianças. São perdas terríveis e irreparáveis.

A Rússia fez tudo para evitar e acabar com o sofrimento desses povos de forma pacífica, afirma Putin. Aparentemente, e estou cada vez mais convencido disso: Kiev simplesmente não precisa de Donbas. Por quê? Porque, em primeiro lugar, os habitantes dessas regiões jamais aceitarão a ordem que tentaram e tentam impor pela força, bloqueios e ameaças. E em segundo lugar, o resultado de Minsk-1 e Minsk-2, que dão uma chance real de restaurar pacificamente a integridade territorial da Ucrânia, chegando a um acordo diretamente com a RPD (Repúblicas Populares de Donetsk) e a LPR (República Popular de Luhansk) com a Rússia, Alemanha e França como mediadores, contradiz toda a lógica do projeto anti-Rússia. E só pode ser sustentado pelo cultivo constante da imagem de um inimigo interno e externo. E eu acrescentaria – sob a proteção e controle das potências ocidentais.

Putin afirma que Zelensky chegou ao poder prometendo paz, mas que isso acabou se mostrando uma mentira e que nada mudou. Hoje, o patriota “certo” da Ucrânia é apenas aquele que odeia a Rússia. Além disso, propõe-se que todo o estado ucraniano, como o entendemos, seja construído exclusivamente com base nessa ideia. Ódio e raiva, como a história do mundo provou repetidamente, são uma base muito instável para a soberania, repleta de muitos riscos sérios e consequências terríveis.

Todos os subterfúgios associados ao projeto anti-Rússia são claros para nós. E nunca permitiremos que nossos territórios históricos e pessoas próximas a nós que vivem lá sejam usados contra a Rússia. E para aqueles que vão empreender tal tentativa, eu gostaria de dizer que desta forma eles destruirão seu próprio país.

O presidente russo finaliza destacando que a Rússia está aberta ao diálogo e pronta para discutir as questões mais complexas, que respeita o desejo da Ucrânia ser um país livre e que acredita firmemente que a real soberania da Ucrânia é possível apenas sendo parceira da Rússia. A Rússia nunca foi e nunca será “anti-Ucrânia”. E o que a Ucrânia será – cabe aos seus cidadãos decidir.

ukraine g0b1f57b78 1920
Quieve, capital da Ucrânia/Créditos: Pixabay

O que a mídia e personalidades disseram sobre o artigo?

O presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy inicialmente respondeu trollando seu colega russo e afirmando que Putin obviamente tem muito tempo livre em suas mãos.

Outros identificaram numerosos ecos imperiais e ameaças veladas na tentativa de Putin de bancar o historiador amador. Anders Åslund, membro sênior do Fórum do Mundo Livre de Estocolmo, classificou o artigo como “uma aula de mestre em desinformação” e “a um passo de uma declaração de guerra”. Enquanto isso, o jornal russo Moskovsky Komsomolets afirmou que o ensaio era o “ultimato de Putin à Ucrânia”.

Melinda Haring, vice-diretora, Eurasia Center, Atlantic Council: o artigo delirante e perigoso de Putin revela o que já sabíamos: Moscou não pode tolerar deixar a Ucrânia ir. A obra-prima do presidente russo por si só deveria inspirar o Ocidente a redobrar seus esforços para reforçar a capacidade de Kiev de escolher seu próprio futuro, e Zelenskyy deveria responder imediatamente e dar a Putin uma lição de história.

Danylo Lubkivsky, Diretor, Fórum de Segurança de Kiev: Putin entende que o Estado ucraniano e a ideia nacional ucraniana representam uma ameaça ao imperialismo russo. Ele não sabe como resolver esse problema. Muitos em seu círculo íntimo são conhecidos por defender o uso da força, mas, por enquanto, o líder russo não tem soluções. Em vez disso, ele escreveu uma peça de propaganda amadora destinada a fornecer pontos de discussão aos seguidores de sua ideologia do “Mundo Russo”. No entanto, seus argumentos são fracos e simplesmente repetem o que os chauvinistas russos anti-ucranianos vêm dizendo há décadas. O ensaio de Putin é uma expressão da agonia imperial.

Tradução, texto e adaptação por Cássio Felipe Tartas Rogalski

Cassio Felipe

Professor, Escritor e Jornalista Especialista em Relações Internacionais e Diplomacia

Artigos relacionados

Verifique também
Fechar
Botão Voltar ao topo
X