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MundoReligião

Morre Bento XVI, papa da terra da Reforma

O papa alemão foi uma figura controversa em seu breve pontificado: para uns, humanizou o cargo através da renúncia; para outros, negligenciou reformas urgentes, agravando ainda mais a crise da Igreja Católica.

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O papa emérito Bento XVI morreu neste sábado (31/12) aos 95 anos em sua casa no Vaticano, anunciou um porta-voz da Santa Sé. Em 2013, Bento XVI se tornou o primeiro pontífice a renunciar em 600 anos.

Com pesar comunico que o papa emérito Bento XVI faleceu hoje às 9:34 no Mosteiro Mater Ecclesiae, no Vaticano”, disse o porta-voz.

No início desta semana, o papa Francisco pediu orações para seu antecessor que estava muito doente.

Primeiro papa alemão em quase 500 anos 

Ele foi o grande papa teólogo. O que quer que fizesse ou dissesse, sempre tinha em mente a tradição e os ensinamentos da Igreja ao longo dos séculos. No entanto, suas realizações teológicas não o protegeram da visão cada vez mais crítica à medida que envelhecia. Porque na desastrosa história de abusos na Igreja Católica na Alemanha, um capítulo também se aplica a Joseph Ratzinger, arcebispo de Munique (1977-1982), que mais tarde se tornou papa. Um parecer de especialista, elaborado ao longo de muitos anos, considerou-o culpado de má conduta em quatro casos. Má conduta que presumivelmente permitiu que perpetradores individuais continuassem agindo.

Bento XVI foi o primeiro papa alemão depois de quase 500 anos, e escreveu história na Igreja com sua renúncia, em 28 de fevereiro 2013. Como líder católico, empenhou-se pelo diálogo entre razão e fé, pelo significado da religião na era moderna.

Um papa da Alemanha, 60 anos após a Segunda Guerra Mundial e o assassinato dos judeus pelo regime nazista, além disso um papa da terra de Martinho Lutero, o país da cisão da Igreja, com a Reforma Luterana. No entanto, seu pontificado de quase oito anos foi também marcado por escândalos e crises eclesiásticas.

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Rara imagem de dois papas juntos: Papa Francisco e papa emérito Bento XVI em 2017/Foto: Osservatore Romano/ANSA/dpa/picture alliance

Do interior da Baviera a Roma

“Os senhores cardeais me elegeram. Um simples e modesto trabalhador no vinhedo do senhor”: com essas palavras, em 19 de abril de 2005 o cardeal Joseph Ratzinger apareceu à varanda da Basílica de São Pedro, em Roma, e imediatamente angariou simpatias. Após apenas dois dias de conclave, vira-se subir fumaça branca da Capela Sistina: o religioso de 78 anos era o novo líder da Igreja Católica Apostólica Romana.

Com Bento XVI, o mundo vivenciou um papa conservador e presente, que ocasionalmente surpreendia a todos. Pois ele foi capaz de combinar sua origem profundamente beata com a erudição de um acadêmico, e não deu simplesmente continuidade à linha rigorosa do cardeal da Cúria Romana Joseph Ratzinger.

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O jovem Ratzinger, na 2° Guerra, quando servia como ajudante numa bateria antiaérea/
Foto: Getty Images/AFP/STF

Mas, no clima geral de crise na Igreja Católica, o papa engajado pelo trabalho pastoral deve ter também sofrido pessoalmente. No fim das contas, o pontificado de João Paulo 2º (1978-2005) só se encerrou com a posse de Bento XVI. Como papa da transição, em 2013 ele acabou por possibilitar a eleição de um pastor próximo aos fiéis e reformador conservador: o argentino Francisco.

A escolha como papa representou para Ratzinger a coroação de sua vida, que teve início em 16 de abril de 1927 no lugarejo Marktl am Inn, no interior da Baviera. Seu pai era gendarme, a família, profundamente devota. Em 1941, ele foi convocado para a Juventude Hitlerista, como era obrigatório para todos os adolescentes do sexo masculino à época. Em 1943, serviu como ajudante numa bateria antiaérea. No fim de 1944, aos 17 anos de idade, Joseph foi recrutado como soldado pela Wehrmacht, as Forças Armadas nazistas. Pouco depois de terminada a guerra, ele e o irmão Georg, três anos mais velho, estudaram teologia. Ambos foram ordenados padres, a única irmã permaneceu solteira.

No fim dos anos 1950, Ratzinger conquistou rapidamente reconhecimento como professor de teologia. Integrando a equipe do arcebispo de Colônia, cardeal Joseph Frings, participou em 1963 do Segundo Concílio Vaticano, voltado a aplainar o caminho para a renovação da doutrina e da vida na Igreja Católica.

No entanto, os protestos estudantis de 1968 mudaram o professor da Baviera. Se antes ele também perseguira novas ideias, agora retornava à bem conhecida tradição. Em 1977, tornou-se arcebispo de Munique-Freising e logo viraria cardeal.

Pouco mais de quatro anos mais tarde, o papa João Paulo 2º o trouxe para Roma. Como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, agora Ratzinger era o mais alto guardião da fé em sua Igreja. Em questões de magistério, reformas, o papel da mulher ou o ecumenismo, defendeu um curso inflexível. Alguns o chamavam Panzerkardinal (“cardeal tanque de guerra”).

Conservadorismo e algumas surpresas

A eleição de Ratzinger como papa, em 2005, gerou júbilo e orgulho entre os católicos da Alemanha. “Somos papa”, foi a manchete do tabloide de maior circulação no país. Contudo também havia ressalvas e temores: contando 78 anos, o 265º papa da história era idoso demais, dizia-se, devido a sua índole conservadora, seria incapaz de reformas.

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O papa Bento XVI, logo após a sua eleição/Foto: Getty Images/AFP/A. Mari

Do ponto de vista político, seus menos de oito anos de pontificado foram uma época de transição, mas ele também foi além nesse papel, impondo acentos próprios. E nomeou mais da metade dos cardeais que, em maio de 2013, escolheriam o cardeal Jorge Mario Bergoglio como seu sucessor.

Bento XVI frisava repetidamente o papel de liderança de sua Igreja Católica, e sua pretensão de ser a única Igreja verdadeira. Os protestantes se irritavam de ser tachados de Igreja de segunda classe. Não houve nenhum passo importante no sentido de uma abertura ecumênica.

Numerosos críticos atacaram sua aproximação aos tradicionalistas da Fraternidade Sacerdotal São Pio 10º, sua paciência com esses “franco-atiradores” na ala extrema de Igreja. Por medo de uma cisão permanente, ele se empenhou em reintegrar os tradicionalistas, sem sucesso.

Ao mesmo tempo, concedeu uma segunda casa espiritual para os anglicanos, cuja Igreja considerara terem ido longe demais com reformas como a ordenação de mulheres para o sacerdócio. Além disso, Bento XVI cultivava contatos abertos com os ortodoxos.

Sombras sobre um pontificado breve

Porém sua relação com outras religiões não foi livre de tensões. Permanece na memória a indignação do mundo árabe após seu discurso em Regensburg, em 2006, que incluiu uma inegável citação do profeta Maomé. Entretanto, na sequência, o diálogo islâmico-cristão entre os especialistas ganhou uma qualidade até então inédita.

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Bento XVI e a chanceler federal Angela Merkel em 2006. Ele foi o primeiro papa alemão depois de quase 500 anos/Foto: picture-alliance/dpa

O escândalo de décadas de abuso sexual em massa acobertado de menores de idade por sacerdotes foi uma sombra sobre o papado de Bento XVI. Em diversos países, como Irlanda, Estados Unidos, Austrália e Bélgica, a partir de 2010 também na Alemanha, vieram a público cada vez mais casos de violência sexual na Igreja.

Críticos condenaram a instituição católica por não reagir com a rapidez necessária, simplesmente transferindo de paróquia os agressores, tentando acobertar seus crimes, e lhe atestaram falta de vontade para abrir processos civis.

Bento XVI se empenhou por uma reavaliação e reparação, procurou o contato com as vítimas, encontrando-as durante suas viagens, sempre a portas fechadas. Era palpável seu abalo com as revelações, ele qualificou os episódios, no geral, como “flagelo” e “um grande sofrimento”.

Em consequência, endureceu as diretrizes para formação de padres. Sob seu sucessor, ficaria ainda mais patente a dimensão do abuso na Igreja, em diversos locais do mundo. Somente em 2019 o papa Francisco convocaria uma cúpula de crise global no Vaticano.

Em 2012 o assim chamado “escândalo dos Vati-Leaks” fez tremer mais ainda as bases da central do poder no Vaticano. Documentos e comunicações internas relacionados ao padre vazaram para a esfera pública, o camareiro papal Paolo Gabriele revelou-se um traidor. Após breve pena de prisão, porém, foi perdoado por Bento XVI.

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Bento XVI e seu antecessor, Joao Paulo 2°. O papa alemão não quis seguir o caminho do polonês e morrer no cargo/Foto: picture-alliance/AP

Contudo, observadores de longa data do papa perceberam quão duramente a traição partindo de seus círculos mais próximos o atingira. Sua decisão de renunciar ao pontificado comoveu e abalou muitos católicos; para além dos meios eclesiásticos, ela causou espanto em todo o mundo.

Sem dúvida, nos últimos meses de mandato era visível o esforço físico do ancião de 85 anos. Afinal de contas, sua renúncia foi um tributo à responsabilidade do cargo, mas também à própria dignidade pessoal. A decisão foi corajosa e um atestado de consciência de si próprio, porém causou estranhamento entre muitos fiéis que tinham durante os olhos a eterna imagem do pontífice que serve até a morte.

Parte da congregação mundial não compreendeu que, desse modo, o papa do país da Reforma humanizava e reformava o cargo supremo da Igreja Católica. O aparato vaticano encenou sua retirada em imagens portentosas: ao fim de seu último dia de trabalho, Bento XVI partiu num helicóptero branco da Santa Sé para a residência papal Castelgandolfo.

Parecia um espetacular “até nunca mais”. Dois meses mais tarde, contudo, Bento XVI retornou a Roma para ocupar um alojamento num pequeno mosteiro nos Jardins Vaticanos. Em 2014, participou de diversos grandes cultos na Basílica ou na Praça de São Pedro, ocasionalmente visitou seu sucessor.

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Bento XVI, já bastante fragilizado, em 2020/Foto: picture-alliance/dpa/C. Wallberg

Algumas de suas declarações causaram sensação: uma entrevista aqui, um discurso ali. Entre 2018 e 2020, a publicação de textos atuais seus causaram celeuma e fricções. Ele interferiu decididamente em debates eclesiásticos atual, relacionando, por exemplo, o escândalo de violência sexualizada na Igreja a um “relaxamento da moral” na sequência do movimento cultural de 1968.

Oficialmente, ele era papa emérito e um simples sacerdote. Porém não deixou de trajar batina branca, a cor papal. Os mais próximos se dirigiam a ele como “Santo Padre”. Ao lado de Francisco, portanto, Joseph Ratzinger foi um “papa aposentado”: para os teóricos da fé, um grande tema; para a Igreja, uma questão com potencial explosivo.

Algumas das últimas imagens de vídeo divulgadas do religioso bávaro  mostram um homem aquebrantado pela idade: caminhar se tornara algo penoso, ele tinha que se apoiar num andador; os olhos e a voz pareciam muito fracos. 

Ele só voltou uma vez à Alemanha: em 2020, aos 93 anos, visitou Regensburg com uma comitiva surpreendentemente pequena para se despedir do irmão Georg no leito de morte, e para rezar à sepultura de seus pais. Embora de cadeira de rodas, os olhos Bento XVI brilhavam na velha terra natal.

Acusação de ter mentido

Poucos meses antes de seu 95º aniversário, um relatório de juristas sobre como a Arquidiocese de Munique-Freising lidou com casos de abuso sexual causou sensação em todo o mundo. E o tão citado esplendor da figura de Ratzinger continuou se apagando. Há muito se especulou que durante os anos de Joseph Ratzinger em Munique a arquidiocese havia acolhido um padre da diocese de Essen que havia molestado crianças. Na arquidiocese de Ratzinger, o padre desempenhou trabalho paroquial – e novamente crianças se tornaram suas vítimas. E o relatório viu mais três casos de “má conduta” do então cardeal.
Ratzinger se defendeu de forma abrangente contra as acusações. Mas os especialistas questionaram um ponto-chave de seu relato. Quando Ratzinger então se corrigiu quatro dias depois e teve que admitir que havia estado presente em uma importante reunião sobre como lidar com um padre perpetrador, os críticos o confrontaram com a acusação de “mentir”.

Os especialistas enfatizaram criticamente que Ratzinger só confirmou o que podia ser provado. E muitos que leram os comentários de Ratzinger ficaram irritados com sua visão fria da má conduta sacerdotal contra menores, que estava desatualizada mesmo quando o crime foi cometido, por volta de 1980. Tudo isso se encaixa na imagem de uma Igreja que estava encontrando cada vez mais dificuldade para enfrentar a escala de crimes clericais.

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